domingo, 6 de julho de 2014

Brasil vive risco de epidemia de Chicungunya, com 17 casos confirmados

Doença que vem da África tem sintomas parecidos com os da dengue, com dores mais fores pelo corpo


RIO - A doença é parecida com a dengue, mas muito mais dolorosa. Trata-se da febre Chicungunya, originária da África, responsável por severas dores nas articulações que podem perdurar até por anos após a fase aguda da infecção. Dezessete casos já foram registrados no Brasil — aparentemente todos de pessoas que contraíram a enfermidade no exterior —, e especialistas acreditam que a deflagração de uma nova epidemia é inevitável. O vírus é transmitido pelos mosquitos Aedes aegypti Aedes albopictus, os mesmos responsáveis pela propagação da dengue.


A febre foi detectada pela primeira vez em 1952, na fronteira da Tanzânia com Moçambique. A doença se espalhou por várias regiões da África e da Ásia, e, atualmente, há surtos cíclicos em aproximadamente 40 países, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em dezembro passado, no entanto, a infecção foi registrada pela primeira vez nas Américas e vem se disseminando com muita rapidez: já foi reportada em 30 nações da região. No empobrecido e castigado Haiti, onde o Brasil mantém um contingente de militares, a epidemia está completamente fora de controle.
— O risco (de epidemia no Brasil) é iminente — garante o infectologista Stefan Cunha Ujvari, autor do livro “Pandemias” (Ed. Contexto). — A qualquer momento vai começar uma epidemia, não há mais como evitar: a doença é transmitida pelo aedes e segue a mesma rota da dengue. Basta um mosquito picar um doente aqui que vai passar adiante.
Dos 17 casos registrados no Brasil, 15 envolvem militares e missionários brasileiros que regressaram de missão no Haiti. Os outros dois são de brasileiros que estiveram na República Dominicana a turismo. “Outros dois casos estão em investigação, também de pessoas vindas desses mesmos países. Todos os pacientes apresentaram um quadro leve, estável e de evolução clínica favorável”, informou o Ministério da Saúde ontem, em comunicado.

— Não está claro se essas pessoas infectadas também trouxeram para o país mosquitos com o vírus — alertou Robert Muggah, diretor de pesquisa da ONG Instituto Igarapé, que realizou um levantamento sobre a doença no Haiti, entre 19 e 31 de maio deste ano.

260 MIL PESSOAS AFETADAS NO CARIBE
Segundo o especialista, diversos outros militares que integram as tropas de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti, teriam contraído a doença por lá, sem, no entanto, voltar doentes ao país. Entretanto, eles podem ter trazido mosquitos infectados. Além disso, estamos em plena Copa do Mundo, recebendo milhares de turistas de diversas partes do mundo — todos potenciais portadores do vírus. Teoricamente, basta que um mosquito pique uma pessoa na fase febril da doença e transmita o vírus a outra para que a doença comece a se disseminar.
Por isso, Muggah acredita que é alta a possibilidade de o Brasil enfrentar uma epidemia da febre.
— Há um sério risco de a febre Chikungunya se tornar epidêmica no Brasil — afirmou o especialista. — Os primeiros casos (das Américas) foram reportados no Caribe em dezembro de 2013, e já são 260 mil pessoas atingidas diretamente. Há um tráfego constante de pessoas indo do Brasil ao Haiti por conta das tropas de paz, sem falar em trabalhadores de agências humanitárias, missionários e diplomatas.
A outra razão, na análise de Muggah, é ambiental: o Brasil tem condições climáticas ideais para a disseminação da febre, e os dois mosquitos transmissores são comuns aqui. Vale lembrar que o país teve mais de 1,4 milhão de casos de dengue no ano passado (cerca de dois terços de todas as ocorrências do Hemisfério Ocidental).
— Embora o Brasil tenha uma infraestrutura de saúde pública muito mais sofisticada do que a do Haiti, se medidas preventivas não forem rapidamente adotadas, a epidemia pode se disseminar rapidamente — disse Muggah. — O potencial para uma epidemia catastrófica é muito alto.
O Brasil já tinha registrado três casos importados da doença em 2010, e eles não deflagraram uma epidemia, lembra o Ministério da Saúde, acrescentando que, desde então, passou a acompanhar e monitorar continuamente a situação do vírus causador da febre Chikungunya.
“No final de 2013, o ministério elaborou um plano nacional de contingência da doença, que tem como metas a intensificação das atividades de vigilância; a preparação de resposta da rede de saúde; o treinamento de profissionais; a divulgação de medidas às secretarias e a preparação de laboratórios de referência para diagnósticos da doença”, informou a nota.
A letalidade do Chikungunya não é muito alta (uma morte a cada mil casos, em média, segundo os Centros de Controle de Doenças dos EUA), mas a doença é extremamente debilitante. A palavra chikungunya vem de um dialeto da Tanzânia e significa “doença do andar curvado”. O nome, segundo explica Ujvari, reflete os sintomas, semelhantes ao da dengue, mas em intensidade bem maior: febre, mal-estar, dores pelo corpo, dor de cabeça, apatia e cansaço. As articulações são muito afetadas. O vírus avança nas juntas dos pacientes e causa inflamações com fortes dores acompanhadas de inchaço, vermelhidão e calor local. O paciente tem dificuldade de movimentos e locomoção.
— O grande diferencial da doença (em relação à dengue) é a dor excruciante nas juntas, que pode persistir por meses e mesmo anos depois do estágio febril — explica Muggah. — O nome é uma referência ao fato de as pessoas se contorcerem de dor.

PERIGO DE DORES RECORRENTES
Se não for corretamente tratada, pode levar a problemas permanentes de mobilidade ou de sintomas recorrentes de artrite, especialmente em pacientes mais idosos e pessoas com outros problemas de saúde. As crianças pequenas também são mais vulneráveis. Febres altas, convulsões e desidratação podem levar a complicações graves e até à morte.
Não há, no entanto, um tratamento específico para a febre. O que os médicos fazem é tentar aliviar os sintomas dos pacientes. As medidas de prevenção são as mesmas usadas no combate à dengue: inseticidas e repelentes, além da eliminação dos locais de reprodução do mosquito, como áreas de água parada.
Um estudo feito no Haiti com 3 mil famílias (aproximadamente 14 mil pessoas), além de centenas de estrangeiros, revelou que a doença “conhecida como a nova dengue está em estágio avançado de disseminação no país caribenho e fora de controle”. (Colaborou Leonardo Vieira)

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